O aikido,
como arte marcial de tradição japonesa, é repleto de vários cumprimentos. Nos
curvamos diante de nosso sensei, diante de nossos colegas mais graduados e dos
menos graduados também, e, claro, diante da foto de Ueshiba (O Sensei). Pode
parecer mera formalidade tola, mas esse é um costume de precioso valor
simbólico e prático. Mas, muitas vezes, enfrentamos os problemas típicos de
transportar uma tradição de outra cultura, para a nossa, a ocidental. Nesse
sentido, algumas pessoas se sentem incomodadas, principalmente com a reverência
a O Sensei.
Parte desse
incômodo vem do fato de que no dia-a-dia não costumamos ser tão formais. Somos
brasileiros, e como tais, temos uma postura relaxada e informal no cotidiano. Um “oi” e um aperto de mão parecem
ser suficientes. Muita formalidade soa como algo artificial demais. Quase
robótico e desmedido.
A coisa fica
ainda mais complicada quando pensamos em nível de tradição cultural. O ocidente, dominado pela influência judaico-cristã, assimilou a ideia da adoração
de imagens. Protestantes acusam católicos de adorá-las, estes, por sua vez,
dizem que tudo trata-se de engano.
Mitologia Oriental e Ocidental
A ideia é
que Deus é um Mistério que transcende o nosso mundo profano, marcado peladualidade (bem e mal, bonito e feio, homem e mulher, tudo e nada, sagrado e
profano e etc), portanto, na visão dos judeus, originalmente, Ele não
precisaria ser representado, porque isso poderia justamente desvirtuar essa
ideia de falar de algo inconcebível para nós. Os protestantes parecem seguir
esse tipo de tradição. Assim, Deus não poderia ser representado, então, usar
uma imagem é adorar somente ela, não a Deus.
Os católicos
aventam que a Bíblia realmente fala de adoração de imagens, mas o que ela quer
dizer é que não se deve adorar elementos profanos como se fossem sagrados. Um
exemplo disso seria a avareza. Ser pão-duro é nada mais que adorar o dinheiro.
Sendo cristão ou não, acreditando em Deus ou não, é óbvio que uma postura
dessas pode não trazer prejuízos em curto prazo, mas traz a longo, certamente. Nesse
sentido, católicos dizem estar apenas simbolizando algo, não adorando.
Nesse
sentido, imagino que seja mais problemático para protestantes do que para
católicos, realizar o cumprimento à foto de Ueshiba no início e término da
aula. Entretanto, é preciso ter em mente que o contexto onde esse costume
surgiu não é o mesmo em que essa problemática cristã surgiu. Aliás, no Oriente
o conceito de Deus não é nem mesmo igual ao nosso, para começo de conversa.
A mitologia
ocidental em geral, não importa o mito ou a religião específica em questão,
baseia-se no mito primordial de que havia uma divindade que criou os seres e as
coisas. A mitologia oriental postula essencialmente que havia um Isto no início, e que Ele se dividiu, e
cada uma de suas partes deu origem aos seres e às coisas.
Além de um mero detalhe
Parece mero
detalhe, mas essas diferentes concepções da mesma coisa fundamentaram o costume
oriental de cumprimentos excessivos. Cumprimentar a cada ser, ser gentil e
sutil com cada coisa é uma atitude de louvar Deus, afinal, não existiria
diferença entre algo sagrado ou profano, tudo seria Deus.
Pois bem, por
esse ângulo, cumprimentar os companheiros de treino, sensei e O Sensei faz
sentido. Entretanto, para além dessa base mitológica que está na origem dessa
cultura, cumprimentamos por respeito. Respeito ao sensei que nos treina com
afinco e nos aperfeiçoa; aos colegas que estão conosco nessa empreitada e nos
ajudam a lapidar nosso caráter e nossa técnica; e a Ueshiba, que criou o
aikido, um dos Caminhos para a perícia espiritual e física.
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